É com esta pergunta que o Sr. Ministro responde à
perplexidade de muitos perante as decisões emanadas do Ministério da Educação
relativamente à realização das provas de exame de final de ciclo previstas para
este ano.
A grande novidade, este ano, são as provas finais de 4.º ano, pelo que é
nelas que centrarei o problema. E qual é ele, então? O problema, para muitos
alunos do 4.º ano (mas não para todos!) será terem de se deslocar a outras
escolas para poderem fazer as provas de exame, sem as quais não passam de ano.
Só quem não sabe minimamente o que é um aluno de 9/10 anos de idade pode achar
que aqui não há um problema.
Os alunos do 1.º ciclo, ao contrário do que acontece nos ciclos de
aprendizagem seguintes, estão sujeitos, do 1.º ao 4.º ano de escolaridade, a um
regime de monodocência, quer dizer, um único professor responsável por um grupo
de alunos. Como é natural, nestas circunstâncias, a educação no primeiro ciclo
é uma educação mais ligada aos afectos e, nesse sentido, mais humanizada.
Fundamental para o sucesso na aprendizagem é a confiança depositada pelo
professor nos seus alunos e a convicção de que cada um deles vai crescer,
desenvolver-se e conquistar conhecimento. É porque o professor confia neles que
os alunos aprendem a confiar no seu professor — e só nestas condições um aluno
estará apto a aprender e um professor apto a ajudá-lo nessa tarefa. É um
trabalho que exige confiança mútua! Sem esta base de confiança, não se cria nos
alunos do 1.º ciclo vontade de aprender e de estudar, não se incentiva a
procura de saber, não se alimenta a imaginação sem a qual nenhuma criança será
capaz de pensar bem. Ora, retirar alguns alunos de 4.º ano das suas escolas
para a realização de provas de exame, afastálos do seu professor de referência
e garantir depois que sejam vigiados num espaço estranho, por professores
desconhecidos que não só não podem leccionar no 1.º ciclo, como nem sequer
podem ser professores das disciplinas de Língua Portuguesa ou Matemática, sobre
as quais incidem as provas — tudo isto, juntinho, é um golpe fatal na
plataforma de confiança que, desejavelmente, acompanhou os alunos do 1.º ciclo
no seu percurso escolar e na qual se fundou a relação pedagógica do seu
professor de sala com eles; tudo isto, juntinho, instaura, sim, um clima de
desconfiança, na base do qual parece estar a convicção de que, sem todo este
rigor quase policial no momento de realização das provas, estaria certamente
instalada a “batota” entre examinadores e examinados.
O ministério, portanto, desconfia: desconfia do que os professores foram
capazes de ensinar e desconfia do que os alunos foram capazes de aprender; como
se estes exames tivessem sido concebidos e a sua realização pensada em função
daquilo que os miúdos não sabem — isso é que vai ser importante perceber! Como
explicar de outro modo medidas tão contra as crianças, se percebermos ou
soubermos o que cada uma é nas diferentes fases do seu crescimento?
Creio que qualquer professor digno do estatuto profissional que
reclama para a sua carreira se devia erguer contra estas medidas. E qualquer
encarregado de educação, movido pelo amor ao seu educando, devia fazer o que
estivesse ao seu alcance para impedir este estado de coisas. É inadmissível que
algumas crianças do nosso país se sujeitem a este duplo atentado: à sua
dignidade pessoal, por um lado, e ao seu direito à igualdade de oportunidades,
por outro, dado que nas escolas em que há mais do que o 1.º ciclo de ensino a
ser leccionado, os alunos do 4.º ano poderão realizar os seus exames noutras
condições — pelo menos, no espaço que sempre conheceram, na escola em que
sempre estudaram, sem terem que deslocar-se a outras instalações. Ora, a
circunstância de se ter estudado em escolas de maior ou menor dimensão não pode
justificar condições desiguais num momento de prestação de provas, cujo
resultado determina em 25% a classificação final dos alunos. Há aqui algo de
muito pouco democrático. E isso, Sr. Ministro, é também parte do problema!
(Público de hoje)
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