Esta matéria é uma entrevista com Richard Galli, autor
do livro “Salvando meu filho”. (Título original em inglês: “Rescuing
Jeffrey: A Memoir”)
Qual é a mensagem do seu livro?
Este não é um livro com mensagem, é um livro sobre um
dilema. Imagine que você seja o primeiro a encontrar seu filho de 17 anos, já
com os lábios roxos e a língua azulada para fora da boca. Você tem certeza de
que ele está morto. Ainda assim, coloca-o na borda da piscina e tenta
ressuscitá-lo.
Alguns minutos depois você percebe que ele ainda está
vivo, e sente uma excitação incomparável. Logo em seguida alguém diz: “É melhor
pegar os suportes. Pode haver uma lesão na coluna”. Depois desse momento, você
afunda cada vez mais. A situação vai piorando a cada minuto, até que você
percebe que não salvou a vida de seu filho. Salvou seu pescoço e cabeça, sim,
mas o que está embaixo disso será um peso morto para o resto da vida, uma área
propícia a doenças e deterioração.
Eu estava convencido de que aquilo não poderia acabar
bem e de que ele devia morrer. Precisava fazer o que fosse necessário para que
isso acontecesse. Tive essa certeza pouco depois que nós [Galli e sua esposa,
Toby] soubemos que ele estava quadriplégico e que seus membros provavelmente não
poderiam mais funcionar de forma alguma.
Vocês pensaram, nesse momento, que ele deveria morrer.
O que fizeram então?
Eu e minha esposa dissemos aos médicos o que
pretendíamos fazer. Não escolhemos dia e hora, mas queríamos nos livrar de
todos os obstáculos, incluindo a revisão do caso pelo comitê de ética do
hospital.
O que alterou sua decisão?
Alguns dias depois do acidente, da internação e tudo
mais, percebi que havia uma grande comunidade que pensava em nós e expressava
sua angústia com a nossa situação. Isso me fez parar um pouco, me fez pensar.
Creio que tivemos dois momentos decisivos. O primeiro
foi quando um médico nos disse que, quando Jeffrey completasse 18 anos, ele
próprio poderia escolher se queria desligar os aparelhos que o mantinham vivo. Disse,
também, que Jeffrey nitidamente estava se recuperando do choque, que não havia
lesão cerebral e que em breve poderia lidar, ele mesmo, com sua situação.
Quando decidi escrever o livro, pensei que iria matar
meu filho e queria que todos soubessem da história. Olhando para trás, percebo
que pretendia na verdade publicar minha confissão. O resultado foi mais
surpreendente para mim do que para qualquer outra pessoa.
Jeff está vivo hoje. Como se sente em relação
à sua decisão inicial?
Tenho orgulho de todo o processo. Digo isso porque nos
demos a chance de testar nossas convicções. Há pessoas que, em uma situação
dessas, deixam que os médicos decidam e saem do hospital satisfeitas com o
resultado, seja ele qual for. Pensam que sua função é simplesmente assistir a
um drama médico.
Outras realmente fazem aquilo que devem, porque o
sistema médico existe para realizar um tratamento com o qual você concorde.
Eles nos transmitiam a seguinte mensagem: “O resultado será terrível”. E nós
respondíamos: “Jeffrey não gostaria disso”.
Você escreveu sobre os 10 dias que se seguiram ao
acidente e parecia incrivelmente racional.
Mas não se esqueça de que conto, no livro, que
chorávamos o tempo todo. Toby estava basicamente cuidando de mim, porque pensou
que eu seria a próxima vítima. Não posso dizer que não estava em choque. É
quase como estar em guerra. Às vezes você reage movido apenas pela adrenalina,
outras por cansaço e desorientação.
A experiência aumentou sua sensibilidade ao sofrimento
que vemos nos noticiários?
Não. Eu já era muito sensível a esse sofrimento e foi
isso que me permitiu ser tão racional. Eu sabia que o mundo é um lugar onde
ocorrem acidentes. Coisas boas e ruins acontecem simplesmente por acaso.
Você tem crises súbitas de depressão?
Não, é tudo bastante previsível. A tristeza que sinto
de vez em quando faz parte da situação. Mas consigo fazer com que dure pouco, é
preciso que seja assim. Tenho um compromisso com meu filho e minha família e
muitas outras pessoas que passaram pela mesma coisa.
Meu compromisso é o de não achar que a nossa situação
é mais trágica que a dos outros.
Como está Jeffrey?
Ele é um rapaz quadriplégico de 19 anos que precisa de
aparelhos para respirar. A maioria das coisas que para outros rapazes de 19
anos são fonte de prazer e alegria não fazem parte da vida dele.
Algumas, sim: música, televisão, cinema, surfar na
Web. Mas a espontaneidade, o direito de ficar sozinho, de ligar para alguém e
marcar um encontro, essa vida normal de adolescente ele não tem.(...)
Fonte: Editora Sextante
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