Má Sorte Ter Sido P...(Professor)
A profissão de professor é, sem dúvida, das mais expostas e das mais
escrutinadas, essa exposição por vezes torna-se uma espécie de "maldição",
pois do escrutínio à devassa e à maledicência vai um passo curto demais.
Sobretudo numa sociedade com fraco sentido comunitário, muito permeável à velha
táctica do "dividir para reinar" que induz as pessoas a só olharem para
o lado e raramente para cima e, ainda assim, a preocupar-se demais com a vida
alheia ou com aquilo que se projecta como tal, como paliativo e escapatória
para a sensaboria da própria.
Os professores como agentes de proximidade, de primeira linha, estão
sempre debaixo de mira e é por saber isso que os vários poderes os costumam
utilizar como bode expiatório para as suas próprias malfeitorias.
Reparem, agora a causa de tudo isto, daquilo que como Salgueiro Maia
classificou do "estado a que isto chegou" naquele "dia inicial
inteiro e limpo" no genial dizer da mãe do "filho da mãe", não
se deve à cupidez e à ganância do capital especulativo, aos negócios ruinosos
da banca e das negociatas tóxicas com dinheiros públicos engolidos no turbilhão
da "crise"(ainda agora o Banif está a pesar no cálculo do défice a
ser pago por "todos"). Nada disto, agora a culpa é dos professores e
da sua "intransigência". Então os professores deveriam, se não fossem
"egoístas" e "intransigentes", ter oferecido o
pescoço para a degola.
Já nos pedem o "sacerdócio" (não certamente o do Abade da
Travanca, nem o do Padre Amaro), agora exigem-nos o seppuku (o hara
kiri), a aceitação passiva do naufrágio das nossas vidas de cara alegre,
através de um imenso coro mediático onde se dizem muitas, muitas mentiras e
alarvidades, vindas da má-fé mercenária, da mais crassa ignorância e, as mais
das vezes, das duas juntas. Depois de se terem, até ver, calado com "os
mais bem pagos da Europa", agora ela é a "excepção das quarenta
horas" e "o que são eles a mais do que os outros"? Nesse afã de
comparar o que não tem, nem pode ter, comparação, tem-se ido buscar de tudo,
desde os médicos e enfermeiros nas Urgências, até às telefonistas que trabalham
"fora de horas".
Ora, eu sou filho de uma telefonista e de um contabilista e, bem sei que
nessa altura as tecnologias disponíveis não eram propensas ao
"tele-trabalho", não me lembro da minha mãe trazer, até porque
dava pouco jeito devido ao peso e às dimensões e ainda por cima aquilo tinha
imensos fios e "cavilhas", o PBX para casa aos fins-de-semana.
Já o meu pai trazia trabalho para fazer em casa e acompanhei-o em muitos
"serões" e fins-de-semana de "escritas". Só um
"pormenor", não eram para a empresa de que era funcionário, eram
trabalhos extra, feitos em horário extra e pagos à parte. Os professores também
não apenas estão nas "urgências" nas escolas e no pandemónio social
em que estão transformadas (se calhar são os professores que matam pessoas à
"naifada" à porta dos estabelecimentos, vá-se lá saber...) como
trazem as "urgências" dos seus alunos e não só , também muitas
falsas urgências burocráticas a que estão inutilmente escravizados, para casa,
com prazos urgentes para as devolver.
Mesmo dando de barato, o que está longe de ser verdade, que estar muito
tempo no local de trabalho equivale a trabalhar, como poderá comparar-se o
trabalho de um professor, mesmo com as diferenças entre graus e níveis e
disciplinas e as circunstâncias dos respectivos alunos terem ou não terem que
prestar provas de exame nacional e outros "detalhes", por acaso ou
talvez não, todos amalgamados, muito por obra de governos sempre enroupados na
linguagem grandiloquente do "rigor" e da "exigência" para
inglês ver, com as quarenta horas de permanência no local de trabalho daquele
senhor que está sentado numa secretária à entrada dos Ministérios e das Câmaras
Municipais?
Como a "troika" tem as costas largas e parece ter ficado
indisposta com a "excepção" dada as professores portugueses, ou pelo
menos e como a "pulhítica" também é a "guerra" por outros meios,
é essa a "notícia" que alimenta a combustão mediática da campanha
negra contra os professores, guindados à categoria de "inimigos
públicos" pelos verdadeiros inimigos do público que, como é sabido, são
muito "amigos do alheio" e se preparam, se deixarmos, para se
locupletarem com os despojos do Estado - proponho um pequeno exercício de
apuramento factual da verdade - perguntem aos representantes da
"troika" em Portugal, os tais da "missão técnica", quantas
horas tem o horário dos professores nos seu países de origem que, se não me
engano, são a Alemanha, a Dinamarca e a Etiópia. Irão ver que nem na Etiópia os
professores têm horários desses.
Ora, vão mas é "dar banho ao cão" e deixem-nos trabalhar!
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