Na
esteira de meu artigo Crítica,
espírito crítico e outras obviedades, fui interpelado por muitos pais que,
do ponto vista pedagógico, se interessaram pelo tema, principalmente no que
tange ao seu papel de educadores. Principalmente quando frente a seus filhos
adolescentes, por exemplo, nos quais o espírito crítico já se encontra num
estado tão crítico, que permitam o trocadilho, parecem um caso perdido.
Por um lado é desgastante ao pai ou a mãe diariamente
executar esse papel de agente “apontador de defeitos” frente à conduta de seus
filhos, que no auge da adolescência, pendem para o intolerável, ou nas palavras
de uma leitora:
“Meus filhos adolescentes são imãs para encrenca –
desde a vida escolar até aos hábitos de higiene – é uma batalha diária e sem
tréguas. Tudo tem que ser apontado e reiterado, senão a opção sempre é feita
pela pior conduta.”
Por outro lado, o adolescente é excelente em criticar
sem a menor piedade o comportamento dos pais e se aproveitar como muita
propriedade dos erros dos adultos como desculpa para “escapar do controle” e
então adotar o comportamento mais desastroso possível.
Evidentemente esse tema é gigantesco e extremamente
complexo.
Não tenho aqui a menor pretensão de apresentar
soluções milagrosas, quando muito, quero apenas efetuar, como sempre, um
humilde convite à reflexão.
É claro que depois de instalado o problema de pouco
adianta buscar culpados.
Geralmente, muitos pais relapsos tendem a desaguar na
escola os descalabros da precária educação dada aos filhos e evidentemente cabe
ao professor a dura tarefa de operar milagres.
É uma obviedade de longa data que a boa relação
familiar é um fator preponderante na construção de uma educação saudável e
construtiva, bem como a edificação de uma vida mais fecunda e profícua.
É nessa boa relação, que se destaca a capacidade de
uma família de bem exercer o espírito crítico, tanto na arte de fazer a crítica
quanto na de recebê-la. E para isso se exige uma série de atributos que quero
novamente aqui destacar:
• Humildade e lisura;
• Senso de humanidade;
• Tato e polidez;
• Adequação;
E acima de tudo:
• Conhecimento.
Não há como criticar algo que não se conhece:
Por isso, pais e educadores: – estudem o assunto! E
procurem conhecer seus educandos.
Existe vasta bibliografia sobre a pedagogia na
adolescência e vamos fazer uso dessa inteligência distribuída para construirmos
uma educação adequada para nossos filhos.
Quanto à aplicação da crítica:
Muitos pais tendem a simplesmente criticar a conduta
mais evidente e estabelecer um controle férreo dos efeitos, do tipo:
- Sente direito. – Arrume seu quarto. – Lave as mãos.
– Escove os dentes – Estude!
Etc. etc. etc.
Num processo autofágico que leva ao desgaste e promove
no educando uma espécie de amortecimento: – Além de não ouvir mais a crítica,
faz ouvidos moucos a tudo que esses pais ou educadores falam.
Novamente no jargão popular se encontra mais uma
obviedade, não menos útil:
“Uma pitada de exemplo vale um barril de conselhos”.
Para educar um filho, não use apenas palavras, mas
principalmente o seu exemplo.
Existem, também, os pais que tudo toleram e não
criticam os filhos em nada, como que imobilizados pelo receio de
traumatiza-los.
Dessa forma abandonam seus filhos ao domínio de seus
próprios caprichos infantis, produzindo para si e para a sociedade pequenos
tiranos, cujo egocentrismo compete com sua completa falta de capacidade de se
relacionar com o outro de forma saudável e produtiva.
Outra obviedade:
Para se estabelecer esses limites tão importantes ao
processo pedagógico o pai e a mãe devem estar presentes. Não apenas
fisicamente. Mas presentes de corpo e alma. Presentes como entidade e categoria
moral, portadores e praticantes de um conjunto de valores que lhes são
essenciais.
Os pais não devem figurar apenas como provedores
materiais, relegando sua família a uma espécie de indigência moral, que só a
mais cruel orfandade é capaz de produzir.
Infelizmente eu conheço uma porção de adolescentes que
são órfãos de pais vivos. Jovens que sobrevivem desde tenra idade a esse tipo
de abandono que é o mais destrutivo de todos.
Presenciamos diariamente a rotina de muitas famílias,
que na busca pelo ter, acabam esquecendo o ser e caem cativos nos frutos
armadilhas do consumismo e, sem tempo para viver, são incapazes de
conviver, tratando-se com a indiferença dos simples conhecidos, que são na
verdade meros desconhecidos, ou na melhor das hipóteses, inimigos íntimos.
É preciso deixar patente, que o reverso do amor não é
o ódio! – e sim a indiferença!
Quando se entende que a crítica que é realizada com
propriedade busca sempre a melhoria e a evolução – se entende também que essa
crítica em sua essência é também um gesto de amor.
Um bom crítico literário, por exemplo, ama a
literatura.
E é preciso aprender a fazê-la e é preciso aprender a
recebê-la. Para o bem de nossos filhos e para o bem de toda a humanidade.
Para concluir, apresento aqui uma vivência da minha
infância, que ilustra muito bem o que eu gostaria de dizer.
Aos dez anos de idade eu já gostava de aplicar piadas
práticas em meus colegas de ginásio. Uma, que me marcou em especial, envolvia
um binóculo e uma almofada de carimbo.
Era uma “pegadinha” muito simples. Consistia-se em sujar
as oculares do binóculo na almofada de carimbo e deixá-lo displicentemente
sobre uma carteira ao lado da janela.
Não demorava muito e um colega desavisado ao ver o
binóculo, não resistia e já se prontificava em experimentá-lo sem pedir
permissão – e pronto, ficava com o rosto carimbado com espalhafatosos “olhos de
coruja”.
O tiro saiu pela culatra quando nosso professor de
matemática (o mais severo e disciplinador de todos) aproximou-se da tal
carteira, e antes que pudéssemos adverti-lo, tomou o binóculo e fez uma longa
observação de toda a paisagem ao alcance da janela, elogiando, inclusive o
poder de zoom do aparelho.
A sala caiu num silêncio sepulcral. E ele, sem
perceber que sua face ficara marcada, prosseguiu tranquilamente com sua aula.
Petrificado pelo medo, não consegui juntar um grama de
coragem para avisá-lo. E penso que aconteceu o mesmo com o resto da classe.
Na manhã seguinte, resignado, eu já esperava por uma
suspensão ou coisa pior.
No entanto o jovem professor nos surpreendeu com um
bom humor inédito, contando com muitas gargalhadas que por fim trabalhara os
três turnos com “seus olhos de coruja” sem perceber que caíra na “pegadinha”.
Só quando chegara a sua casa que avisado pela esposa,
tomou consciência de que servira de piada para todos da escola, nos três turnos
em que trabalhara frente a tantos jovens.
Ao término da aula, com a consciência muito pesada,
fui me desculpar. Afinal ele não merecia aquele tipo de brincadeira.
O jovem professor, no entanto, sem nenhum pingo de
condescendência ou autocomiseração se limitou a me tranquilizar e
agradecendo-me disse:
- Graças à sua brincadeira eu descobri que nessa
escola, nesses anos todos, eu não consegui fazer nenhum amigo.
Até hoje estou remoendo essa lição.
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