Os vetores das manifestações
No início do
século XXI, o Brasil convivia com uma taxa de desemprego em torno de 12%, cerca
de 25% da população estava na condição de miséria, muitas delas, obviamente,
passando fome (algo em torno de 40 milhões de pessoas). Atualmente, o
desemprego praticamente caiu pela metade – ficando entre 5% e 6% (IBGE) –
e o número de pessoas em condição de miséria gira em torno de 18 milhões de
pessoas, 9,5% da população (dados do meu “mestre”, prof. Waldir Quadros).
Antes que os
anti-petistas comecem a “babar de raiva”, este texto não é para louvar as
qualidades dos governos Lula e Dilma, e nem atribui somente a eles os méritos
por este inquestionável avanço social. A hiperinflação foi debelada no governo
FHC, onde também se iniciaram, de forma pulverizada, vários programas sociais.
O contexto internacional foi extremamente favorável entre 2002 e 2008, com o boom
das commodities puxando nossas exportações. Dito isso, porém, é ignorância não
reconhecer as virtudes dos governos petistas, particularmente na reorganização
dos programas sociais e na política de valorização do salário mínimo.
Mas, o ponto
que quero destacar é o seguinte: as manifestações atuais acontecem, em boa
medida, porque demandas básicas e urgentes – como o desemprego, a fome e a
miséria – já foram, se não vencidas, bem encaminhadas. Superada esta etapa
crítica, é natural e saudável que as reivindicações se tornem mais amplas e
profundas, com foco na melhora da qualidade dos serviços públicos, notadamente
em Educação, Saúde e Transporte Público.
Este é,
digamos, o “vetor social” das mobilizações. Em paralelo, há insatisfação com as
instituições nas diferentes esferas de poder. Num regime presidencialista, o
governo central é o maior alvo, pois em última instância “tudo é culpa do
governo”. Mas a contrariedade se estende ao Poder Judiciário – pela morosidade
da nossa Justiça e a existência de privilégios e super-salários – e, de forma
mais nítida, ao Poder Legislativo, sintetizado na Câmara de Deputados (não vou
debater a PEC 37, mas é de admirar como muitos mudaram de posição
rapidamente!).
Ainda no
campo político, e num movimento bastante similar ao que ocorre em vários países
no mundo, como na Espanha recentemente, há forte rejeição aos partidos
políticos tradicionais. A polarização PSDB x PT, se útil para demarcar algumas
posições, foi prejudicial ao país ao bloquear um debate político e ideológico
mais profundo, descolado da luta cega para manutenção do poder. Além disso, características
no nosso sistema político – como um número descabido de siglas, que não
representam nada, mas são cobiçadas numa perspectiva fisiológica, e o
financiamento privado por parte de agentes obviamente interessados nas decisões
dos futuros governantes – acentuam o descontentamento geral.
O combate à
corrupção e as críticas à Copa do Mundo completam a pauta reivindicatória das
ruas nos dias de hoje. Na minha opinião, são os aspectos mais frágeis dos
protestos. Ninguém é a favor da corrupção e agir honestamente, dentro e fora da
política, é uma obrigação moral, não uma virtude. Uma análise desapaixonada
verificará que, nos últimos anos, aumentaram as formas de controle e a
transparência dos gastos públicos. Temos controladorias nos órgãos executivos,
Tribunais de Conta, partidos de oposição, imprensa livre e Ministério Público.
Não sou ingênuo em acreditar que isso garante que não haja corrupção, mas todo
este aparato institucional deve ser levado em conta na análise do tema.
Sobre a Copa
do Mundo, ela é muito mais um símbolo de luta do que um problema efetivo.
Vários aspectos da sua realização são passíveis de críticas, como a construção
dos “elefantes-brancos” em Brasília, Cuiabá e Manaus, as concessões fiscais
para a FIFA e seus parceiros comerciais, a atuação suspeita dos dirigentes e a
forma pela qual estádios estão sendo “cedidos” para iniciativa privada,
afastando, por exemplo, o Atlético do Mineirão e o Flamengo do Maracanã.
Mas, o grito
mais forte contra os gastos carece de um fundamento técnico que o justifique de
fato. Para desmentir o pronunciamento presidencial, o UOL Esporte, com base em
relatórios do TCU, mostrou que o governo Federal gastou, sim, R$ 1,1 bilhão na
construção das arenas. Tomado isoladamente, este montante é uma fortuna. Mas
como, proporção do PIB (R$ 4 trilhões) ou percentual do orçamento público
federal (R$ 900 bilhões), é irrisório. O sub-financiamento da área social, que
já existe há muito tempo, não decorre dos gastos excessivos em estádios, mas de
outros itens do orçamento público, como as despesas com juros e encargos da
dívida pública, em torno de R$ 150 bilhões anuais.
Feito este
breve e superficial diagnóstico, que entende as manifestações como resultado
dos vetores social e político, além das questões “simbólicas”, resta especular
para onde vamos. Isso fica para outra oportunidade, reconhecendo-se, desde já
que, felizmente, a história e a disputa política estão em aberto.
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