Juntar as pontas dos ombros e dar algumas
palmadinhas nas costas não é um abraço. Escrever "abraço" no fim de
um e-mail também não é um abraço. Indiferente ao
desenvolvimento social e tecnológico, um abraço continua a ser duas pessoas que
se juntam e se apertam uma de encontro à outra.
Esses rapazes que aparecem com cartazes a
oferecerem abraços nos festivais de verão têm graça e talvez sejam
bem-intencionados, mas fazem publicidade enganosa. Não são os abraços que
provocam as ligações, são as ligações que provocam os abraços. Um abraço não é
apenas duas pessoas que se juntam e se apertam uma de encontro à outra.
Um abraço tem muita importância.
Quando eu era uma criança, teria talvez
uns nove ou dez anos, o meu pai deu-me um abraço na cozinha da nossa casa. Era
de madrugada porque essa era a hora em que, naquele tempo, se saía da minha
terra quando se ia para Lisboa. O meu pai tinha uma operação marcada no
hospital, estava vestido com as roupas novas e tinha medo. Enquanto me
abraçava, o meu pai chorou porque, durante um momento, acreditou que podia
nunca mais me ver. Os braços do meu pai passavam-me pelos ombros, a minha
cabeça assentava-lhe na barriga, sobre o pullover. A lâmpada que
tínhamos acesa por cima da cabeça espalhava uma luz que amarelecia tudo o que
tocava: a mesa onde jantávamos todos os dias, o ar que ali respirámos em tantas
horas anteriores àquela, em tantas horas ignorantes daquela. O meu pai usava um aftershave muito
enjoativo, barato, que alguém lhe tinha oferecido no Natal. Agora mesmo,
consigo ainda sentir esse cheiro com nitidez absoluta.
A operação correu bem. Depois do susto,
depois da convalescença, o meu pai voltou para casa com uma cicatriz grossa e
roxa na barriga, ficava à vista quando a camisa lhe saía para fora das calças
ou na praia, apesar de usar os calções exageradamente puxados para cima. Depois
disso, tivemos direito a nove anos em que não voltámos a pensar em despedidas.
Durante muito tempo procurei em toda a
minha memória: as lembranças de quando regressou da operação ou, depois, quando
tínhamos a mesma altura ou, mesmo depois, quando ficou doente pela última vez.
Mas abandonei as buscas, não consigo recordar outra ocasião em que nos tenhamos
voltado a abraçar. Essa madrugada na cozinha, a luz amarela, o aftershave,
foi a única vez em que nos abraçámos na vida.
Não afirmo com leveza que um abraço tem
muita importância. Há quinze anos que escrevo livros apenas sobre esse abraço.
José Luís Peixoto, in Notícias Magazine,
22 de novembro de 2015
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