Jorge Pinto aprendeu há muito a conviver com as barreiras que a
sociedade coloca aos Surdos. Tanto que faz das dificuldades forças na hora de
assumir, na plenitude, a sua condição. Aos 45 anos, terminou recentemente o
Programa Doutoral em Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), tornando-se desta
forma o primeiro surdo a doutorar-se em Portugal.
Foi em julho passado que
Jorge realizou as provas públicas que lhe atribuíram o grau de
doutor. Um evento que envolveu uma logística diferente, uma vez que estiveram
presentes duas interpretes de Língua Gestual Portuguesa (LGP) a assegurar a tradução
da prova entre o candidato e o júri. Ao longo de todo o percurso no Programa
Doutoral em Ciências da Educação, a presença das interpretes foi de resto
permanente, assegurando sempre a tradução de e para LGP.
Estes apoios são
suportados pelos Serviços de Apoio ao Estudante da Reitoria da Universidade do
Porto, sendo que a U.Porto é pioneira da adoção institucional destas medidas,
garantindo, assim, todas as condições de acessibilidade a que os surdos têm
direito, em paridade com os seus colegas ouvintes.
Licenciado em
Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), Jorge Pinto
concluiu uma segunda licenciatura em Língua Gestual Portuguesa (ESE-IPCoimbra),
uma Pós-Graduação em Educação Especial/Surdez, Formação para a Educação Bilingue
da Criança Surda (FPCEUP) e o primeiro ano do Mestrado em Ciências da Educação
na FPCEUP. O seu envolvimento com a faculdade passa também pelas várias
edições do projeto Spread the Sign, como
investigador da equipa portuguesa. Atualmente, é professor Adjunto
Convidado na Escola Superior de Educação do Porto (ESE-Porto).
Naturalidade?
Póvoa de Varzim.
Idade?
45 anos.
– De que mais gosta na
Universidade do Porto?
O facto de começar a
haver uma maior abertura à inclusão de Surdos ao nível do ensino superior.
– De que menos gosta na
Universidade do Porto?
O que menos gostei fica
bem patente no meu próprio percurso académico. Atualmente é notória uma maior
sensibilização da parte das instituições escolares e académicas para os
fenómenos de inclusão, especificamente em relação à inclusão de Surdos no
Ensino Superior. Veja-se o meu caso, em que andei uma série de anos para
conseguir concluir o Curso de Engenharia Civil (década de 90) e embora tivesse
realizado na altura alguns pedidos formais à Reitoria da Universidade do Porto,
no sentido de me ser facultado apoio para reforço das matérias, uma vez que não
havia Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, nada consegui. Por outro lado,
os próprios professores não tinham o cuidado de oralizar de frente para o
Surdo, as sebentas eram pouco estruturadas e pouco desenvolvidas. A falta de
recursos humanos e técnicos que se verificavam nessa época, não favoreciam nada
o ingresso e a inclusão dos Surdos no ensino superior. Hoje, felizmente, as
coisas mudaram, nota-se uma maior sensibilidade ao nível das estruturas do
ensino superior, e no caso concreto da surdez, há uma outra visão que tenta não
discriminar negativamente, para além de se disponibilizar Intérpretes de Língua
Gestual Portuguesa, que acabam por ser uma peça fundamental na ajuda
comunicativa ao Estudante Surdo.
– Uma ideia para
melhorar a Universidade do Porto?
Quebrar alguma
burocracia quando é necessário requisitar um intérprete, quebrar a imposição
permanente de limitações de horas disponíveis para cada estudante. Seria
importante disponibilizar aos estudantes Surdos, sebentas com as matérias muito
bem estruturadas e com exemplos práticos, de acordo com as áreas em estudo.
– Como prefere passar os
tempos livres?
Fotografar, viajar,
fazer caminhadas…
– Um livro preferido?
Ultimamente fui obrigado
a ler muito, o que faz com que tenha ainda muito presente um livro que
considero especial: Vejo Uma Voz, de Oliver
Sacks. O autor mostra uma enorme sensibilidade face à problemática da surdez
conseguindo nesse livro prender o leitor, conjugando uma leitura técnica
mesclada de um forte humanismo.
– Um disco/músico
preferido?
A condição de surdo
limita-o muito para a audição de música. Contudo, considero fundamental que
seja dada oportunidade aos Surdos, desde as idades mais precoces, de contacto
com atividades que façam apelo à comunicação/expressão, onde a atividade
musical deve estar incluída. O Surdo sente a vibração dos sons, e quanto mais
exposto a diferentes tipos sonoros, mais desperto poderá estar para discriminar
diferentes géneros musicais.
– Um prato preferido?
Embora ache a
gastronomia portuguesa fantástica, recentemente tive o prazer de saborear um
prato com uma mistura de várias influências e sabores que se chama Tagine de
Barrosã com Cuscus Marroquino (um prato que faz parte da ementa de um
restaurante que existe em Fão, concelho de Esposende).
– Um filme preferido?
Tenho uma tendência
especial para filmes de ficção científica. Vi recentemente um que gostei,
“Predestinado”, dos realizadores australianos, irmãos, Michael e Peter Spierig.
– Uma viagem de sonho
(realizada ou por realizar)?
Um dos meus grandes
objetivos é viajar, conhecer o mais possível diferentes partes do mundo. Já
tive a sorte de poder conhecer alguns países Europeus e da América Latina e
espero que a vida me dê oportunidade de poder continuar a visitar novos locais,
incluindo em Portugal.
– Um objetivo de vida?
Ser feliz e proporcionar
momentos de felicidade à minha família e aos meus amigos.
– Uma inspiração?
A vontade que a minha
mãe me transmitiu de evoluir sempre como pessoa e a nível académico.
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