segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Curiosidade é o pavio na vela da aprendizagem.(William Arthur Ward)

Alberto Manguel 
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Fala também de dois tipos de curiosidade: uma "boa" e uma "má".
Voltamos ao tema das etiquetas. O propósito de uma etiqueta é evitar as discussões longas e a complexidade. Se eu lhe responder 'você faz isto porque é mulher', estou a evitar um diálogo muito complexo sobre identidade, sobre formas culturais, sobre sexualidade. Ao colar uma etiqueta, neste caso preconceituosa, arrumo a conversa. Quando a curiosidade se manifesta num meio social, este reage para se defender. Como seres humanos, existimos entre a nossa identidade social e a individual. Cada uma destas identidades tem funções e características distintas. Socialmente temos que obedecer a regras, a leis, e temos de manter uma identidade por meio da censura e do controlo. Como indivíduos, temos de questionar essas regras e essas leis. E perante certo tipo de curiosidade aparentemente perigoso, a sociedade defende-se com rótulos. Quando Pandora quer ver o que está dentro da caixa, a sociedade diz-lhe que é proibido e que a sua curiosidade é má. Porém, sem a curiosidade perante o proibido, Galileu não teria feito as suas descobertas.

A curiosidade teve sempre o seu oposto?
Sim. Era a postura da Igreja Católica face ao conhecimento. É a postura das sociedades atuais face aos que questionam a estrutura económica, conotados de anárquicos ou subversivos - mesmo que este sistema não funcione e tenha entrado em crise uma quantidade de vezes. Então eliminamos a pergunta. Sempre existiu a noção de uma curiosidade má, que muda consoante as épocas. Hoje, transformamo-la numa patologia. À criança que faz perguntas por ser curiosa e para continuar o diálogo rotulamo-la de hiperativa e damos-lhe um comprimido para a acalmar. Nos EUA, 80% das crianças estão medicadas. E em vez de se perguntarem se não haverá algum problema no sistema educativo, acreditam que o problema está na criança. Cada época tem a sua forma de lutar contra a curiosidade e de conotar como 'má' a curiosidade que não convém socialmente.

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Retirado de uma longa entrevista a Alberto Manguel lida no Expresso online

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