Alberto Manguel
(…)
Fala
também de dois tipos de curiosidade: uma "boa" e uma "má".
Voltamos ao tema das etiquetas. O propósito de uma etiqueta é evitar as
discussões longas e a complexidade. Se eu lhe responder 'você faz isto porque é
mulher', estou a evitar um diálogo muito complexo sobre identidade, sobre
formas culturais, sobre sexualidade. Ao colar uma etiqueta, neste caso
preconceituosa, arrumo a conversa. Quando a curiosidade se manifesta num meio
social, este reage para se defender. Como seres humanos, existimos entre a
nossa identidade social e a individual. Cada uma destas identidades tem funções
e características distintas. Socialmente temos que obedecer a regras, a leis, e
temos de manter uma identidade por meio da censura e do controlo. Como
indivíduos, temos de questionar essas regras e essas leis. E perante certo tipo
de curiosidade aparentemente perigoso, a sociedade defende-se com rótulos.
Quando Pandora quer ver o que está dentro da caixa, a sociedade diz-lhe que é
proibido e que a sua curiosidade é má. Porém, sem a curiosidade perante o
proibido, Galileu não teria feito as suas descobertas.
A
curiosidade teve sempre o seu oposto?
Sim. Era a postura da Igreja Católica face ao conhecimento. É a postura das
sociedades atuais face aos que questionam a estrutura económica, conotados de
anárquicos ou subversivos - mesmo que este sistema não funcione e tenha entrado
em crise uma quantidade de vezes. Então eliminamos a pergunta. Sempre existiu a
noção de uma curiosidade má, que muda consoante as épocas. Hoje,
transformamo-la numa patologia. À criança que faz perguntas por ser curiosa e
para continuar o diálogo rotulamo-la de hiperativa e damos-lhe um comprimido
para a acalmar. Nos EUA, 80% das crianças estão medicadas. E em vez de se
perguntarem se não haverá algum problema no sistema educativo, acreditam que o
problema está na criança. Cada época tem a sua forma de lutar contra a
curiosidade e de conotar como 'má' a curiosidade que não convém socialmente.
(...)
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