quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Bom ano, senhor Baptistini!

Milão, 31 de dezembro de 1937 – Não se pode dormir com tanta gente lá fora, aos uivos, a festejar o ano novo. Como se fosse possível um ano novo ser melhor do que o velho!
A grande força da vida é mesmo essa: a unidade. Com muita ciência e paciência lá se consegue contar num tronco, pelas camadas lenhosas, os anos da sua duração. Mas o que ninguém consegue ver naquele feixe de horas é a diferença de oscilação do cedro num dia de trovoada e num dia de sol calmo. Como um vento nivelador, o tempo passa por nós sem deixar covas. (…)
É claro que aqui o senhor Baptistini do lado, negociante de botas, para quem o negócio correu mal estes 365 dias passados, bebe champanhe na esperança  de que se lhe tenha acabado o azar hoje e comece a vender muitas botas amanhã. O Senhor Baptistini.
Mas será possível que três ou quatro milhões de pessoas não vão além desse raciocínio rudimentar e utilitário do Senhor Baptistini?!

Miguel Torga (Diário I, Publicações Dom Quixote, 2.ª edição integral, página 59)

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