Uma mulher com
múltiplas personalidades é cega em certos casos mas não noutros. O que se
passará no seu cérebro que possa explicar esta bizarra situação?
Há mais de uma década que B.T. não via nada.
Na sequência de um
acidente traumático quando era nova, os médicos tinham-lhe diagnosticado uma
“cegueira cortical”, causada por lesões nos centros cerebrais do processamento
visual. Portanto, arranjara um cão-guia e habituara-se à escuridão.
Para além disso, B.T.
tinha de lidar com outros problemas de saúde – nomeadamente, mais de dez
personalidades completamente diferentes que se disputavam o controlo do seu
corpo. E foi enquanto procurava tratamento para a sua perturbação de identidade
dissociativa que recuperou de repente a capacidade de ver. Mas não foi enquanto
B.T., uma alemã de 37 anos, mas na “pele” de um rapaz adolescente que ela por
vezes “vestia”.
Após meses de terapia,
todas as personalidades de B.T., excepto duas, recuperaram a visão. E como B.T.
oscilava entre personalidades, a sua vista ligava-se e desligava-se como um
interruptor eléctrico na sua mente. O mundo aparecia para depois voltar a
mergulhar na escuridão.
Num artigo na
revista Psych, os médicos de B.T.
explicam que a sua cegueira não foi causada por lesões cerebrais, como fora
inicialmente diagnosticado. Trata-se, pelo contrário, de algo mais parecido
como um problema psicológico e não fisiológico.
O estranho caso de B.T.
revela muitas coisas acerca da extraordinária força da mente – sobre como ela
pode controlar o que vemos e quem somos.
À procura de respostas
Para perceber o que acontecera a B.T. (que é apenas identificada pelas suas
iniciais no artigo), os seus terapeutas – os psicólogos alemães Hans
Strasburger e Bruno Waldvogel – retraçaram toda a sua história clínica até ao
diagnóstico inicial de cegueira cortical. O seu processo clínico daquela altura
mostra que ela fora submetida a uma série de testes de visão – com a ajuda de
lasers, óculos especiais, raios de luz a atravessar a sala – e que tudo isso
confirmara a sua aparente cegueira. Como não tinha lesões nos olhos,
concluiu-se que os problemas de visão de B.T. eram devidos a lesões cerebrais
causadas pelo seu acidente (o relatório não especifica exactamente o que
ocorreu nesse acidente).
Waldvogel não tinha
qualquer razão para duvidar daquele diagnóstico quando B.T. lhe foi referida,
13 anos mais tarde, para o tratamento da sua perturbação de identidade
dissociativa (que antes era conhecida pelo nome de transtorno de personalidade
múltipla). B.T. apresentava mais de dez personalidades, cada uma delas de
idade, género, hábitos e temperamento variáveis. Até falavam línguas
diferentes: algumas comunicavam apenas em inglês, outras apenas em alemão,
algumas em ambas as línguas (B.T. tinha passado uns tempos num país anglófono
em criança, mas vivia na Alemanha).
Quatro anos após o
início da psicoterapia, uma coisa estranha aconteceu: logo após uma sessão,
enquanto se encontrava num dos seus vários estados de rapaz adolescente, B.T.
viu uma palavra na capa de uma revista. Era a primeira palavra que lia
visualmente em 17 anos.
No início, a vista
recuperada de B.T. restringia-se ao reconhecimento de palavras inteiras nessa
personalidade específica. Quando inquirida, respondia que nem sequer conseguia
ver as letras isoladas que compunham as palavras, mas apenas as próprias
palavras. Mas a sua visão foi-se expandindo gradualmente, abrangendo primeiro
processos de ordem superior (como a leitura) e a seguir processos de ordem
inferior (como o reconhecimento de padrões), até a maioria das suas
personalidades se tornarem capazes de ver a maior durante parte do tempo.
Quando B.T. alternava entre personalidades visuais e invisuais, a alternância
correspondente afectava a sua visão.
Foi então que Waldvogel
começou a ter dúvidas sobre as causas da perda de visão da doente. Parecia
pouco provável que uma lesão cerebral susceptível de provocar cegueira cerebral
pudesse sofrer uma cura instantânea depois de tanto tempo. E mesmo
se fosse esse o caso, nada explicava como é que a visão de B.T.
continuava a ligar-se e desligar-se. Claramente, qualquer coisa de diferente
estava a acontecer.
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