terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cada homem possui três personalidades: a que exibe, a que tem e a que pensa que tem.(Alphonse Karr)

Uma mulher com múltiplas personalidades é cega em certos casos mas não noutros. O que se passará no seu cérebro que possa explicar esta bizarra situação?

Há mais de uma década que B.T. não via nada.
Na sequência de um acidente traumático quando era nova, os médicos tinham-lhe diagnosticado uma “cegueira cortical”, causada por lesões nos centros cerebrais do processamento visual. Portanto, arranjara um cão-guia e habituara-se à escuridão.
Para além disso, B.T. tinha de lidar com outros problemas de saúde – nomeadamente, mais de dez personalidades completamente diferentes que se disputavam o controlo do seu corpo. E foi enquanto procurava tratamento para a sua perturbação de identidade dissociativa que recuperou de repente a capacidade de ver. Mas não foi enquanto B.T., uma alemã de 37 anos, mas na “pele” de um rapaz adolescente que ela por vezes “vestia”.
Após meses de terapia, todas as personalidades de B.T., excepto duas, recuperaram a visão. E como B.T. oscilava entre personalidades, a sua vista ligava-se e desligava-se como um interruptor eléctrico na sua mente. O mundo aparecia para depois voltar a mergulhar na escuridão.
Num artigo na revista Psych, os médicos de B.T. explicam que a sua cegueira não foi causada por lesões cerebrais, como fora inicialmente diagnosticado. Trata-se, pelo contrário, de algo mais parecido como um problema psicológico e não fisiológico.
O estranho caso de B.T. revela muitas coisas acerca da extraordinária força da mente – sobre como ela pode controlar o que vemos e quem somos.
À procura de respostas
Para perceber o que acontecera a B.T. (que é apenas identificada pelas suas iniciais no artigo), os seus terapeutas – os psicólogos alemães Hans Strasburger e Bruno Waldvogel – retraçaram toda a sua história clínica até ao diagnóstico inicial de cegueira cortical. O seu processo clínico daquela altura mostra que ela fora submetida a uma série de testes de visão – com a ajuda de lasers, óculos especiais, raios de luz a atravessar a sala – e que tudo isso confirmara a sua aparente cegueira. Como não tinha lesões nos olhos, concluiu-se que os problemas de visão de B.T. eram devidos a lesões cerebrais causadas pelo seu acidente (o relatório não especifica exactamente o que ocorreu nesse acidente).

Waldvogel não tinha qualquer razão para duvidar daquele diagnóstico quando B.T. lhe foi referida, 13 anos mais tarde, para o tratamento da sua  perturbação de identidade dissociativa (que antes era conhecida pelo nome de transtorno de personalidade múltipla). B.T. apresentava mais de dez personalidades, cada uma delas de idade, género, hábitos e temperamento variáveis. Até falavam línguas diferentes: algumas comunicavam apenas em inglês, outras apenas em alemão, algumas em ambas as línguas (B.T. tinha passado uns tempos num país anglófono em criança, mas vivia na Alemanha).
Quatro anos após o início da psicoterapia, uma coisa estranha aconteceu: logo após uma sessão, enquanto se encontrava num dos seus vários estados de rapaz adolescente, B.T. viu uma palavra na capa de uma revista. Era a primeira palavra que lia visualmente em 17 anos.
No início, a vista recuperada de B.T. restringia-se ao reconhecimento de palavras inteiras nessa personalidade específica. Quando inquirida, respondia que nem sequer conseguia ver as letras isoladas que compunham as palavras, mas apenas as próprias palavras. Mas a sua visão foi-se expandindo gradualmente, abrangendo primeiro processos de ordem superior (como a leitura) e a seguir processos de ordem inferior (como o reconhecimento de padrões), até a maioria das suas personalidades se tornarem capazes de ver a maior durante parte do tempo. Quando B.T. alternava entre personalidades visuais e invisuais, a alternância correspondente afectava a sua visão.
Foi então que Waldvogel começou a ter dúvidas sobre as causas da perda de visão da doente. Parecia pouco provável que uma lesão cerebral susceptível de provocar cegueira cerebral pudesse sofrer uma cura instantânea depois de tanto tempo. E mesmo se fosse esse o caso, nada explicava como é que a visão de B.T. continuava a ligar-se e desligar-se. Claramente, qualquer coisa de diferente estava a acontecer.


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