Não sigo aquele
princípio hermenêutico segundo o qual é possível conhecer melhor um autor
do que ele se conheceu a si próprio. Daí não ter a veleidade de conseguir
compreender a fundo o que ousou dizer Samuel Johnson com «I never desire
to converse with a man who has writen more than he has read». É verdade que a
frase é clarinha como água, o que lá está é o que lá está e apenas isso. O meu
problema é compreender, no século XXI, o que está a acontecer na cabeça de uma
pessoa do século XVIII que escreve tal coisa, uma vez que ler e escrever no
século XVIII não é o mesmo que ler e escrever no século XXI.
O que creio poder saber, é que aparecesse Samuel Johnson no século XXI,
arriscar-se-ia a ficar calado. Nunca tanto se escreveu como no século XXI e
através de tantos canais de comunicação, incluindo os mais chilreantes. Toda a
gente escreve, até mesmo este blogger de triste figura. O problema de Johnson
seria dar de caras com um tempo em que se escreve demais e se lê de menos. É
verdade que, partindo do princípio que se alguém escreve é porque é lido,
então, se se escreve muito, também se lê muito. Lê-se, portanto, muito e cada
vez mais porque também se escreve cada vez mais. Isso, todavia, não resolve o
problema de Johnson, pois quem lê, lê apenas o que escrevem pessoas que não
lêem ou que também apenas lêem o que escrevem as outras pessoas que não lêem. O
que talvez, e digo talvez pois não sigo aquele princípio segundo o qual é
possível conhecer melhor um autor do que ele se conheceu a si próprio, levasse
Johnson a concluir que numa época em que se publicam tantos e cada vez mais
livros, incluindo os escritos por pessoas que não lêem, se devesse aproveitar
para ler mais e escrever menos, evitando assim o claustrofóbico,
concentracionário e distópico processo de, num circuito fechado, as pessoas que
escrevem lerem apenas o que escrevem pessoas que não lêem. Cegos conduzindo
cegos, diria Johnson do mesmo modo que, antes dele, Bruegel o fez com tintas e
pincéis, arrisco eu dizer, apesar de não seguir o princípio segundo o qual é
possível conhecer melhor um autor do que ele se conheceu a si próprio, embora
nesse aspecto tenha a minha vida alegre e airosamente facilitada por viver num
tempo em que não há nada para compreender uma vez que nada há para ser
compreendido.
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