Clique para outra informação |
A Associação Americana de Psicologia
procedeu à revisão da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM), que incluiu a mudança de muitas secções sobre
dificuldades de aprendizagem específicas. Meses mais tarde, depois de inúmeras
petições, inúmeras discussões, várias declarações de posição e muitas reuniões,
o DSM-5 foi lançado. As mudanças foram significativas, mas talvez não tão
maléficas quanto o previsto. Dr. Rosemary Tannock, membro do grupo de trabalho
do DSM-5, explica exatamente o que significam essas mudanças.
P: O que são as DEA [Dificuldades
Específicas de Aprendizagem] de acordo com o DSM-5?
R: O DSM-5 considera as DEA como sendo um
tipo de desordem neurodesenvolvimental que compromete a capacidade para aprender
habilidades académicas específicas (por exemplo, ler, escrever ou aritmética),
que são a base de outras competências académicas. As dificuldades de
aprendizagem são ‘inesperadas’ tendo em conta outros aspetos do desenvolvimento
que parecem estar bem. Os primeiros sinais de dificuldades de aprendizagem
podem surgir por altura da pré-escola (por exemplo, dificuldade em aprender os
nomes das letras ou em contar objetos), mas só podem ser diagnosticados de
forma confiável depois de se iniciar a educação formal. As DEA são encaradas
como uma condição transcultural e crónica que geralmente persiste até à idade
adulta, embora com diferenças culturais e mudanças de desenvolvimento na forma
como as dificuldades de aprendizagem se manifestam. Por exemplo, nos países
anglo-saxónicos, as crianças debatem-se com a aprendizagem da correspondência
entre letras e sons, a fim de descodificar palavras isoladas com precisão,
enquanto os adultos podem ter dominado as competências básicas de
descodificação, mas leem lentamente e com esforço. Por outro lado, nos países
com uma língua não-alfabética ou em que a correspondência entre os sons da fala
e as letras utilizadas para representar esses sons é muito mais simples do que
em Inglês, as crianças com DEA (por exemplo, dislexia) aprendem rapidamente a
correspondência letra-som, mas tanto as crianças como os adultos debatem-se com
a fluência da leitura.
As DEA enquadram-se num diagnóstico
clínico que não é necessariamente sinónimo de "dificuldades de
aprendizagem", tal como é identificado no sistema de ensino, ou seja, nem
todas as crianças com dificuldades de aprendizagem/dificuldades identificadas
pelo sistema escolar terão um diagnóstico de DEA, tal como é definido no DSM-5.
Por outro lado, é de esperar que aqueles que possuem um diagnóstico de DEA de
acordo com a DSM-5 estejam enquadráveis na definição educacional.
P. Que mudanças existem no DSM-5 no que
respeita às DEA?
R. Os critérios de diagnóstico do DSM-5
para as DEA refletem duas grandes mudanças, cada uma das quais exigindo outras
mudanças: (i) Uma categoria abrangente de DEA com "especificadores"
para caracterizar as manifestações específicas de dificuldades de aprendizagem,
no momento da avaliação, em três grandes domínios académicos: leitura, escrita,
matemática (por exemplo, DEA com dano na leitura) e (ii) eliminação da
exigência na discrepância QI-realização e sua substituição por quatro
critérios, os quais – todos – devem ser cumpridos:
Critério A
Refere-se às características-chave das DEA
(pelo menos um dos seis sintomas de dificuldades de aprendizagem, que têm de
persistir por, pelo menos, seis meses, apesar ter sido proporcionada ajuda
extra ou instrução específica).
Critério B
Refere-se à medição dessas características
(as habilidades académicas afetadas são substancialmente e quantificavelmente
abaixo do esperado para a idade e causam dificuldades nas atividades escolares,
profissionais ou quotidianas, aspeto confirmado por medidas de desempenho
padronizadas administradas individualmente e avaliação clínica
abrangente).
Critério C
Refere-se à idade de início dos problemas
(durante a idade escolar, embora possam manifestar-se plenamente apenas na
idade adulta, em alguns indivíduos)
Critério D
Especifica quais são os transtornos
(problemas relacionados com défice Intelectual, acuidade auditiva ou visual não
corrigida, outros transtornos mentais ou neurológicos) ou condições adversas
(adversidade psicossocial, a falta de proficiência na língua de ensino,
instrução insuficiente) que devem ser excluídos antes que um diagnóstico de DEA
possa ser confirmado.
P. Quais são as implicações do DSM-5 nas
DEA?
R. É expectável que estas mudanças tenham
algum impacto na prática clínica diária, na pesquisa clínica, no sistema
educativo, nas organizações profissionais e nos grupos de defesa das DA
[Dificuldades de Aprendizagem], assim como nos indivíduos com DA, nas suas
famílias bem como na perceção que a comunidade tem das DA.
Uma mudança substancial na prática
impõe-se em virtude de haver mudanças de subtipos de DA (Transtorno de Leitura,
Transtorno de Matemática, Transtorno de Expressão Escrita) para uma categoria
abrangente. Para os clínicos e investigadores, esta alteração irá implicar uma
avaliação compreensiva das competências académicas e poderá reduzir os desafios
associados à definição do subtipo de DA (por exemplo, quando as pontuações dos
testes variarem nos vários domínios ou testes académicos, com pontuações logo
abaixo do limiar clínico). Em vez disso, os especificadores podem ser usados
para caracterizar mais precisamente a gama de problemas presentes no momento da
avaliação. A identificação de uma única categoria abrangente de DA é compatível
com vários sistemas de ensino em que as DA são delineadas como uma categoria
elegível para a educação especial, outros serviços e financiamento
específico.
Esta mudança pode ajudar a reduzir a
confusão dos pais e educadores quando DA "adicionais" são
identificadas em anos escolares posteriores, e ajudá-los a entender melhor as
mudanças no desenvolvimento na manifestação das DEA, que são, em parte,
desencadeadas pela exigência crescente do processo de aprendizagem curricular
(por exemplo, dificuldades, no início, na leitura de palavras isoladas são,
muitas vezes, seguidas de dificuldades na aprendizagem de aspetos relacionados
com matemática, problemas de ortografia e dificuldades de compreensão da
leitura, incluindo problemas de vocabulário da matemática). No entanto, essa
mudança também pode exigir a reciclagem de médicos, psicólogos escolares e
educadores para identificar e compreender esta conceptualização de DA e como
criar percursos de aprendizagem para cada aluno com DA.
Espera-se que esta mudança possa levar a
um melhor alinhamento das práticas entre as comunidades de clínicos e de
educadores.
Será que esta mudança irá ter um impacto
negativo sobre os indivíduos com diagnóstico de dislexia ou de discalculia ou
sobre as organizações de profissionais ou grupos de apoio (por exemplo, na
Internacional Dyslexia Association)? Não deveria, uma vez que estes termos
podem ser usados para especificar a natureza de cada DEA, de acordo com
preferências individuais. Além disso, a exigência de utilização de
especificadores para caracterizar a gama de habilidades académicas afetadas
pela dislexia pode aumentar a consciência de que a 'dislexia' tipicamente
abrange muito mais dificuldades do que as relacionadas com a descodificação e
soletração de palavras.
A segunda mudança prática é indicada pelo
abandono do critério de discrepância QI-realização, bem como a omissão de
défices de processamento cognitivo nos critérios diagnósticos. O modelo de
discrepância tem servido, durante décadas, como a conceptualização fundamental
de DA, apesar das fortes evidências de que, conceptualmente e estatisticamente,
é falível. Assim, apesar de a avaliação intelectual ter sido, durante décadas,
o cerne da avaliação psicológica para as DA, ela não será mais necessária para
um diagnóstico de DEA, de acordo com o DSM-5. Da mesma forma, no DSM-5, não há
nenhuma exigência para a demorada e custosa avaliação neuropsicológica das
habilidades de processamento cognitivo para o diagnóstico de DEA: essa
avaliação pode dar informações sobre planos de intervenção, mas não é
necessária para o diagnóstico. Isto significa que os psicólogos poderão mudar
de "avaliação para diagnóstico" para "avaliação para
intervenção" e poderão ter mais tempo para facultar uma psicopedagogia e
consultadoria a pais e professores. Para o sistema educativo, a eliminação do
critério de discrepância QI-realização pode significar que será possível
facultar serviços de educação especial a crianças com DEA e QI mais baixo (por
exemplo, pontuação de QI acima de 70 ± 5), mas que não têm uma deficiência
intelectual. Face à intervenção, essas crianças apresentam uma resposta semelhante
àquela que as crianças com DEA e pontuação de QI mais altos têm.
Uma terceira alteração está relacionada
com os novos critérios (particularmente com os A e B), que exigem provas de
persistência dos sintomas e o uso de uma ampla gama de dados que possam ser
utilizados para confirmar e quantificar baixos desempenhos académicos. Ao
contrário do que acontecia com o DSM-IV, os dados psicométricos, sozinhos, são
insuficientes para o diagnóstico de DEA de acordo com o DSM-5. Será necessária
uma colaboração mais próxima entre educadores, médicos e pais, para se poder
ter acesso a registos formais e informais escolares, registos escolares,
percurso educativo, bem como informações referentes a avaliações
psicopedagógicas e clínicas. Uma colaboração mais próxima e sistemática entre
médicos, educadores, pais e o indivíduo com DEA pode conduzir a uma menor
confusão e frustração e a melhores resultados, quando se percorrem ambos os
mundos (clínico e educacional).
Rosemary Tannock,
Ph.D.
Fonte: http://www.interdys.org/dsm5update.htm
Via FB podendo ser consultado aqui na
versão portuguesa.
Sem comentários:
Enviar um comentário