quarta-feira, 26 de junho de 2013

No adaptar é que está o ganho



Primeira associação de surf adaptado é portuguesa

O projeto saiu pela primeira vez à rua em 2009, com o nome "Estado Líquido". Depois do acidente que o deixou paraplégico aos 18 anos, Nuno (na foto abaixo) viu-se afastado do mar. Por muito que tentasse o contrário, a cadeira de rodas punha sempre um travão quando Nuno se aproximava do oceano. Até que um dia pediu ajuda aos amigos.
 
"Não correu muito bem", contou ao Boas Notícias. "As pernas eram um peso morto na prancha e percebemos logo que ia ser muito complicado." Mas nem assim desistiu. Falou com amigos, conhecidos, família e, com a ajuda de especialistas na área, criou uma prancha adaptada para o seu perfil motor.
 
Pouco tempo depois estava de volta ao mar. Em cima de uma prancha e a sentir a força do oceano nas ondas que apanhava, voltou a sentir o que era estar em "estado líquido".
 

"Estado líquido porque somos só nós e a água quando estamos lá dentro. Não é preciso cadeira de rodas, não é preciso pernas, não é preciso nada. Somos nós e o mar... A ligação é tão forte que nós próprios nos sentimos líquidos", explica Nuno Vitorino, que foi também nadador paralímpico.
 
Foi então que surgiu o "Estado Líquido". "Os meus amigos disseram que eu estava a ser egoísta por guardar esta experiência só para mim e incentivaram-me a criar um projeto que permitisse aos outros ter a mesma oportunidade que eu", conta. 

Todos têm direito a desfrutar do mar

A adesão foi imediata e rapidamente ganhou novas proporções, levando à criação da primeira associação  de surf adaptado da Europa. A SURFaddict apresentou-se ao país e ao mundo em 2012, como uma organização sem fins lucrativos, empenhada em levar a prática de surf a todos os que tenham dificuldades motoras e mobilidade reduzida - pessoas com deficiência ou até mesmo pessoas mais idosas, sendo que o aluno mais velho tem 82 anos. O lema é o de que todos têm direito a desfrutar do mar.

"Hoje, ultrapassadas todas as barreiras políticas e feita toda uma campanha de sensibilização junto das principais entidades marítimas (capitanias, Instituto Hidrográfico, Instituto de Socorros a Náufragos e Marinha Portuguesa), estamos bem encaminhados, com inúmeras iniciativas pelo país e, inclusive, inscritos na Federação Portuguesa de Surf", conta o responsável.

Depois dos Açores, Peniche, Algarve, Alentejo e Figueira da Foz, o próximo evento é já no dia 6 de Julho, na praia da Ribeira d'Ilhas, na Ericeira. Aberto ao público e destinado a todos os que quiserem apanhar algumas ondas, este será apenas mais um exemplo das muitas iniciativas promovidas pela SURFaddict. 
"A ideia é mostrar que o surf adaptado pode ir a qualquer lado, a qualquer praia, seja ela grande ou pequena". Em todas as iniciativas (assinaladas no local como "Fábrica dos Sorrisos") há um grupo de voluntários que se junta para ajudar todos os que aparecem para participar. 
"Estas coisas envolvem sempre muita gente. Já chegamos a meter, num só evento, 300 pessoas na água", conta Nuno Vitorino ao Boas Notícias. "Além disso, como isto é algo a nível nacional, há pessoas a vir de longe, a fazer centenas de quilómetros para se juntarem a nós".
 
Para além deste tipo de iniciativas, a SURFaddict promove ainda diversas campanhas de sensibilização junto das escolas desta modalidade. "Queremos ajudar o maior número de escolas possível a pôr pessoas com deficiência na água. Por isso, é importante para nós promover este tipo de cursos. Desta forma estamos a levar cada vez mais gente para o mar! Gente que pensava que nunca conseguiria!"
O primeiro fato de surf adaptado do mundo
 
Foi também graças à associação que nasceu a primeira linha de pranchas adaptadas. "Temos um grupo técnico a trabalhar connosco, com especialistas em várias áreas com deficiência. Começaram por criar pranchas adaptadas a diferentes perfis motores e agora idealizaram o primeiro fato adaptado para surf do mundo".

Este fato "é mais elástico, mais maleável, tem um fecho que vai da meia perna para baixo (para vestir tipo calção), velcros entre as pernas para as segurar, e um fecho, atrás, com uma abertura muito maior. É muito mais fácil de vestir, permite uma grande autonomia e facilita imenso a prática da modalidade", explica Nuno.
 
Hoje, Nuno não acredita em barreiras físicas que impeçam alguém de apanhar uma onda. Quer fazer da SURFaddict um movimento cada vez maior e levar o mar a todos aqueles que pensam estar bem longe dele.
 
Para isso, pede todo o tipo de apoios financeiros, que o ajudem a tornar o surf uma prática acessível a todos, sem restrições. "Isto não é fácil e obviamente que implica custos. Fazemos inúmeras deslocações e há sítios em que é preciso marcar alojamento. Além disso, oferecemos almoço em cada um dos nossos eventos.. E, lá está, nada disto é possível sem o apoio e contributo da sociedade civil."
 
Ainda assim, a adesão tem sido "brutal" e o número de participantes regulares é cada vez maior. Por isso mesmo, e para levar as ondas a todo o lado, Nuno promete uma coisa: "Comunidade surfista, preparem-se! O calendário para os próximos tempos está completamente cheio!"

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