O Glúten é a principal proteína estruturante do trigo
e que encontra equivalentes tóxicos noutros cereais tais como: centeio, cevada,
malte, triticale, espelta, Kamut, aveia e suas variantes híbridas. Os alimentos não processados e sem origem
nestes cereais são naturalmente isentos em glúten. Contudo, o simples
embalamento de um produto naturalmente isento em glúten, tal como o arroz ou
milho, numa unidade fabril que processe alimentos que o contém, pode torná-lo “glutinizado”, ou seja, passará a conter
glúten.
Alguns celíacos mantêm uma
dieta isenta em glúten, contudo, os seus sintomas e/ou atrofia das vilosidades
duodenais persistem. Estes são considerados como tendo doença celíaca
refratária. Vários artigos recentes focam uma abordagem que busca a procura de
outras causas como explicação para esta refractariedade, tal como uma colite
microscópica. Poderá no entanto, a contaminação cruzada, mesmo que não
suspeita, ser responsável por parte destes casos?
A equipa da “University of Maryland Center for Celiac
Research in Baltimore, MD” procurou responder a esta questão efectuando um
estudo* retrospectivo dos registos de pacientes entre 2005 a 2011 que, apesar
de alguns apontamentos clínicos à execução do mesmo, demonstra bem que esta é
uma realidade.
Inicialmente, todos os doentes foram avaliados por
dietista de modo a se confirmar a sua adesão a dieta sem glúten do ponto de
vista de ingestão voluntária ocasional de glúten e conhecimento sobre como
evitar contaminação cruzada (partilha de torradeiras, fornos, medicação,
aditivos, etc.). Procuraram, deste modo, quais os doentes com sintomatologia,
mas sem fonte identificável de ingestão contínua de glúten. Tipicamente, eram
doentes que já haviam procurado segundas/ terceiras opiniões, que viram as suas
dietas escrutinadas por múltiplos dietistas e que, inclusive, iniciaram
eventualmente corticoídes para uma presumível doença celíaca refractária.
Coloca-se a questão de serem sensíveis a níveis de
glúten tipicamente toleráveis para a maioria dos celíacos. A maioria dos
doentes celíacos tolera, de forma segura, aproximadamente 10 mg de glúten por
contaminação cruzada ou 20 ppm de glúten em 500 gramas de alimentos num todo.
Contudo, verifica-se uma enorme variedade de sensibilidade entre celíacos, onde
alguns poderão apresentar agravamento da mucosa duodenal (verificada pós
biópsia) se expostos a níveis diários de glúten tolerados pela maioria.
Neste estudo os pacientes seguiram durante três a seis
meses uma dieta à base de alimentos não processados e eliminou-se por completo
a possibilidade de contaminação cruzada em embalamentos / processamentos,
incluindo produtos especificamente elaborados para celíacos. A resposta a esta
dieta foi avaliada por biópsia repetida e exigia que a arquitectura das
vilosidades duodenais fosse normal após cumprimento daquela.
Concluíram que este tipo de dieta e abordagem permitem
identificar alguns doentes que não são verdadeiros refractários à dieta sem glúten clássica, mas cuja
sintomatologia e alteração da mucosa do duodeno se deve à ingestão continuada
de glúten, mesmo que insuspeita. Este artigo salienta, do meu ponto de vista, a
enorme importância que deve ser atribuída à problemática da contaminação
cruzada.
Recomendo o consumo de alimentos frescos, não
processados, diversificados e da época. A boa cozinha portuguesa! O consumo de
produtos industriais específicos para celíacos tais como pão, bolachas, bolos,
etc. apenas pontualmente. Comparando com o mesmo tipo de produtos com glúten, estes
contêm habitualmente maior teor em gorduras saturadas e açúcares para obter o
efeito de “boca cheia” característico dos alimentos à base de glúten. Possuem
ainda menor teor em fibras e vitaminas. A confecção em casa pode ultrapassar
estas questões e torna-se mais económica.
Em casa torne a sua cozinha e sala de jantar isentas
de glúten ou evite, dentro do possível, as possibilidades de contaminação
cruzada. Não partilhe torradeiras, fornos, micro-ondas, máquinas para
waffles/panquecas. Atenção às toalhas de mesa com migalhas de glúten e uso no
dia seguinte, aos panos de limpeza, à qualidade da limpeza da sua máquina de
lavar. Quem nunca viu uma tacinha de inocente “Nestúm com mel” que ao sair da
máquina acabada de lavar contém um belo floco lá pegado?!
No restaurante, atenção a possibilidades ocultas de
contaminação cruzada: óleos partilhados, farinha nas grelhas, água de cozedura
de esparguete partilhada, caldos de carne ou peixe.
Na escola atenção ao giz, plasticina, digitintas,
lápis de cera e cor, trabalhos manuais com massas com glúten.
Leia atentamente os rótulos. Não compre se o alimento
não estiver rotulado como isento em glúten ou se não obtiver uma declaração por
escrito pela empresa que o comercializa confirmando a sua isenção.
Pastas de dentes e medicação devem igualmente ser
isentas em glúten. Champôs (especialmente nas crianças de tenra idade), batons
e cremes faciais são produtos que ao entrarem em contacto com os lábios e
mucosa oral podem igualmente ser absorvidos.
Complicado? Ao início, sim. Mas, com o tempo, um pouco
de bom senso, e a imprescindível compreensão de familiares e amigos e um bom
grupo de suporte social, tudo se faz. A nossa saúde agradece!
* Hollon Justin R et al.Trace gluten contamination may play a role in mucosal and
clinical recovery in a subgroup of diet-adherent non-responsive celiac disease
patients. BMC Gastroenterology 2013, 13:40. doi:10.1186/1471-230X-13-40.
Ana Pimenta
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