Daniel Sampaio (foto tirada dali) |
(…)Chamo-me Carla,
tenho 41 anos e sou professora de Francês, numa escola secundária com 3.º ciclo
da periferia de Lisboa. Parece que pertenço agora a um grande agrupamento, mas
os colegas da direcção da escola nunca tiveram tempo para falar disso e dizem
apenas que foi “ordem do Ministério”. Vejo-os sempre com tarefas burocráticas,
agarrados ao computador ou a resolver (?) problemas de disciplina, nem me
atrevo a perguntar qualquer coisa.
Os meus alunos: um grupo de estudantes de várias origens,
africanos, romenos, brasileiros e chineses. Olham para mim com ar de tédio, com
frequência dizem que já ninguém fala francês e que eu deveria ensinar espanhol
ou alemão. Os que falam, porque muitos pouco dizem, oscilam entre o bocejo e o
alheamento total, como se nada na escola lhes dissesse respeito. As aulas são
uma espécie de batalha: eu tento falar francês, escrever no quadro frases para
que eles copiem, dou fichas para trabalho de grupo em fotocópias de má
qualidade, grito por silêncio; eles oscilam entre a provocação e a dispersão
total, conversam uns com os outros e mandam em telemóveis que mandei guardar
nas mochilas. Abundam as piadas sexuais, as referências a humilhações na
Internet, as alusões a graffiti nas paredes da escola. Uma rapariga de 15 anos
do 8.º ano, minha aluna, é vexada na sala de aula por ter tido sexo com dois
rapazes, atrás de uma moita no jardim (?) da escola.
Sim, tenho alguns bons alunos, mas o ambiente é de tal ordem
que eles se envergonham dos resultados positivos. Na verdade, pouco percebem de
francês: aprenderam alguns truques para responder às questões dos testes, mas
não sabem construir uma frase na língua que procuro ensinar. Não querem ser
apelidados de “cromos” e depressa entram no jogo, porque no pátio a perseguição
pode ser dura. Os mais frágeis, vítimas de gozo e empurrões em plena sala de
aula, vingam-se bem quando se tornam campeões do essa nova forma de agressão
pelo computador que se tornou o reino dos mais fracos.
(…)
Não sei a quem me dirigir. A escola não tem psicólogo e
muitos alunos têm graves problemas em casa, que me confidenciam em sussurro no
final de algumas aulas. Não sei o que fazer: a saúde escolar não existe, a
educação sexual está outra vez residual, acabou a Formação Cívica, não sei a
quem enviar os alunos em risco: por isso faço o possível, mas o possível é
pouco.
Senhores importantes: leiam esta minha carta e façam
qualquer coisa, os professores já não aguentam mais.
Atentamente, Carla Martins
Leia todo o texto no jornal Público de hoje
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