terça-feira, 1 de março de 2016

Quanto menos se lê, mais dano provoca o que se lê.(Miguel de Unamuno y Jugo)


Em encontro que hoje terminou, 2. ºEncontro de Literatura Infanto-Juvenil da Lusofonia da Fundação “O Século”, discutiu-se o papel e o trabalho dos professores-bibliotecários e da Rede de Biblioteca Escolares na promoção da leitura envolvendo alunos e professores. Foi também a abordada as circunstâncias difíceis em que muito deste trabalho é realizado e, apesar disso, do bastante que se vai fazendo.
Recordo também uma entrevista de Janeiro de 2014 de Teresa Calçada, até à altura responsável pela Rede de Bibliotecas Escolares, em se focava o papel dos recursos, livros e bibliotecas, e da sua acessibilidade bem como do impacto das novas tecnologias e os riscos decorrentes das dificuldades económicas para este tipo de trabalho.
Retomo algumas notas sobre uma matéria que me parece importante.
Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou no papel dos "tablets", a questão central é o LEITOR, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou electrónico.
Creio que também estaremos de acordo que um leitor se constrói desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura, seja do que for, considerando motivações e culturas diferenciadas apresentadas pelos alunos.
Só se aprende a ler lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, etc.
Neste contexto, não posso deixar de ficar um pouco preocupado com o rumo da educação escolar, neste caso centrando-me no 1º e 2º ciclos, com a introdução das metas de aprendizagem com os conteúdos e volume que apresentam.
Como muitas vezes tenho afirmado e alguns estudos vão demonstrando, as metas curriculares, tal como estão definidas na formulação e quantidade, pois não tem que ser assim, transformam o trabalho do professor com turmas lotadas na gestão de uma checklist de realizações.
Neste contexto curricular não parece fácil encontrar o tempo para ler, apenas ler, algo imprescindível para a criação de hábitos de leitura.
A relação das crianças com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais, na aquisição pressionada dos “objectivos” e "descritores" e pouco mais. Restará o tempo das AECs onde, apesar de algumas experiências interessantes, também nem sempre se encontram os conteúdos mais adequados e o tempo de casa que em muitas famílias, cada vez mais famílias, é curto.
Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, acho difícil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" para ler e não para uma outra qualquer actividade do mundo que tornam acessível.

Oxalá me engane mesmo.


*A palavra "ler" vem do latim "legere" e queria dizer "escolher". Era isso que faziam os antigos romanos quando, por exemplo, selecionavam entre os grãos de cereais. A raiz etimológica está bem patente no nosso termo “eleger”. Ora o drama é que hoje estamos deixando de escolher. Estamos deixando de ler no sentido da raiz da palavra. Cada vez mais somos escolhidos, cada vez mais somos objecto de apelos que nos convertem em números, em estatísticas de mercado.

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