quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O mundo está cheio de livros fantásticos que ninguém lê.(Umberto Eco)


Como é escrever um livro infantil sobre a Carolina, que é surda e cega? Ou fazer as ilustrações sobre o Tiago, que tem paralisia cerebral? É difícil. E é fácil. É o que dizem escritores e ilustradores que foram chamados a contribuir para a colecção “Meninos Especiais”.
Vasco Gargalo, ilustrador, pegou num pau de giz e desenhou ao desafio com Martim, num quadro de ardósia. Paula Delecave, designer, pousou a máquina fotográfica, sentou-se no chão e tocou nas mãos e no rosto de Matilde. Luísa Ducla Soares, escritora, passou a tarde numa esplanada a comer gelados e a beber coca-cola com Carolina. Tinham-lhes pedido que usassem o seu talento para construir pontes entre as crianças ditas normais e aqueles meninos com deficiências, mas todos eles descobriram que, primeiro, também eles tinham de as atravessar. “Talvez tenha sido a coisa mais difícil que já fiz”, reflecte a autora de livros infantis e juvenis Alice Vieira.
A Alice Vieira costumam perguntar: “Por que é que não escreves sobre o campo?” E ela responde aquilo que considera “ óbvio”: que o que conhece bem é a cidade e não gosta de escrever sobre o que não domina. Fala desta sua “mania” para explicar que tinha boas razões para rejeitar o desafio que lhe foi lançado pela presidente da associação Pais em Rede, Luísa Beltrão. E para sublinhar que, apesar disso, não conseguiu dizer que não ao convite para se reencontrar com João, um menino autista com quem contactara numa outra iniciativa da associação. Objectivo: conhecê-lo melhor e escrever uma história de que ele fosse o protagonista.
O livro de Alice Vieira – como os restantes oito, publicados ao ritmo de três por ano – é para crianças. E até à contracapa, em que aparece a fotografia do João e um texto sobre ele sobre o que é o autismo, parece um livro vulgar. “Parece, mas não é. Implicou muito tempo, muito cuidado, o receio de fazer mal, de perturbar os pais, de não conseguir fazer chegar o João aos leitores”, enumera a escritora.

A ideia de Luísa Beltrão foi usar as histórias e as ilustrações de pessoas conceituadas para trazer para a luz estas crianças. “Costuma ver pessoas com deficiências no parque infantil? E na esplanada ou no cinema? Mesmo na escola, que agora é obrigatória – estes meninos estão com os seus pares?” A presidente da associação Pais em Rede, ela própria mãe de uma mulher com deficiência, diz que, “salvo raríssimas excepções”, as respostas às suas perguntas são “não”, “não”, “não” e “não”: “Geralmente estas crianças, estes adultos, estão escondidos, vivem escondidos, são invisíveis”.

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