Vidas singulares: George Bell (1942-2014).
George, ao que parece, era muito
apegado aos seus pais, de ascendência escocesa. Uma fotografia mostra-o
novinho, ao lado do pai, no Natal de 1956, com árvore enfeitada e TV de sala. O
pai morreu cedo. À medida que foi envelhecendo, a mãe começou a sofrer de
artrite. George tratou dela com carinho e desvelo, levando-lhe comida,
dando-lhe banho até morrer. Com George as coisas não se passaram assim.
Não casou nem teve filhos. Chegou a estar noivo, mas rompeu o noivado por não
aceitar as exigências contratuais da futura sogra. A noiva casou com outro
homem, que morreu há anos, em 2002. No entanto, George e Eleanore, assim se
chamava ela, continuaram a trocar cartas ao longo de muitos anos. No último
cartão que lhe mandou, no Dia dos Namorados, Eleanore disse-lhe que pensava
muitas vezes nele, ademais com amor. Eleanore também vivia sozinha, carregada
de dívidas, e morreu em casa de ataque cardíaco. Foi cremada, George nem soube
do óbito. Mas incluiu-a no seu testamento. É estúpido tentar saber se George
Bell foi um homem feliz. E talvez seja indigno destapar a sua intimidade apenas
porque morreu sozinho. Muito possivelmente, a sua vida foi demasiado solitária
e triste. Mas quem sabe, quem pode dizê-lo ao certo? No meio de tudo isto, só
há uma certeza. Ou melhor, duas. A primeira é que, um dia, todos
partilharemos o destino de George, sozinhos ou em companhia. A outra certeza é
esta: quem comprou o Toyota pensou ter feito um bom negócio. Senão, não o
comprava, diz a lógica material da vida. Morreu George, ficou o Toyota. E um
relógio de pulso, da marca Relic. Um desempregado arrematou-o por três dólares,
triplicando a base de licitação.
George M. Bell, Jr., 1942-2014,
assim diz a placa minúscula no depósito das suas cinzas. E
agora, contada a história, ninguém se atreva a dizer que esta vida foi triste
ou vivida em vão. Milhares de pessoas sabem hoje quem foi George Bell, o
da fama póstuma, que teve direito a extensa reportagem do New York
Times. Apenas por ter morrido, é certo. Mas morrer é pouco? Olhem, fiquem com
esta: do pouco que dele sei, George Bell foi um homem melhor do que muitos que
por aí conheço.
António Araújo
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