terça-feira, 31 de julho de 2018

Excentricidade identitária? O nosso futuro próximo é isto?


Devemos banir geneticamente os surdos?

Em 2002, um casal de lésbicas surdas decidiu ter um filho igualmente surdo. Candace McCullough e Sharon Duchesneau procuraram assim um dador de esperma surdo. Não viam elas na surdez uma debilidade? Não. A surdez era, para elas, uma marca identitária
como a orientação sexual. O filho, surdo, nasceu alguns anos depois.
Este é um caso extremo do politicamente correto ou das “identity politics”. A criação de “culturas” e “comunidades” por tudo e por nada gerou este caso surreal: orgulho identitário na surdez. No entanto, se há aqui um excesso, há também um fundo de verdade. Qual é o limite moral das modificações genéticas? Devemos banir geneticamente os surdos? A questão não é se podemos ou não, se é possível ou não. A possibilidade é ou será real em breve. Já não estamos no campo da possibilidade, mas sim no campo da legitimidade: é legítimo banir ou modificar ainda no estado de embrião uma pessoa surda? Aqui há duas questões. Primeira, vamos assumir que banimos, modificamos ou melhoramos os surdos ainda na fase embrionária. Como é que se sentirão as pessoas surdas ainda vivas? Não tendo a excentricidade identitária de Candace McCullough e Sharon Duchesneau, estas pessoas têm contudo o seu orgulho. Apesar da debilidade, fizeram a sua vida. Fazem parte da diversidade do género humano.
Segunda questão. Depois de banirmos os surdos, qual seria o próximo alvo? Os cegos? Os anões? As lésbicas? Um casal homofóbico poderá modificar geneticamente a sua filha se a medicina descobrir o gene gay? O casal que luta contra o aborto de crianças com trissomia será o casal que modificará ou abortará o seu bebé gay? Não pensem que isto são bizantinices. O nosso futuro próximo é isto.

Henrique Raposo (Expresso Diário de 31/07/2018)

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