Devemos banir geneticamente os surdos?
Em 2002, um casal
de lésbicas surdas decidiu ter um filho igualmente surdo. Candace McCullough e
Sharon Duchesneau procuraram assim um dador de esperma surdo. Não viam elas na
surdez uma debilidade? Não. A surdez era, para elas, uma marca identitária
como a orientação sexual. O filho, surdo, nasceu alguns anos depois.
como a orientação sexual. O filho, surdo, nasceu alguns anos depois.
Este é um caso
extremo do politicamente correto ou das “identity politics”. A criação de
“culturas” e “comunidades” por tudo e por nada gerou este caso surreal: orgulho
identitário na surdez. No entanto, se há aqui um excesso, há também um fundo de
verdade. Qual é o limite moral das modificações genéticas? Devemos banir
geneticamente os surdos? A questão não é se podemos ou não, se é possível ou
não. A possibilidade é ou será real em breve. Já não estamos no campo da
possibilidade, mas sim no campo da legitimidade: é legítimo banir ou modificar
ainda no estado de embrião uma pessoa surda? Aqui há duas questões. Primeira,
vamos assumir que banimos, modificamos ou melhoramos os surdos ainda na fase
embrionária. Como é que se sentirão as pessoas surdas ainda vivas? Não tendo a
excentricidade identitária de Candace McCullough e Sharon Duchesneau, estas
pessoas têm contudo o seu orgulho. Apesar da debilidade, fizeram a sua vida.
Fazem parte da diversidade do género humano.
Segunda questão.
Depois de banirmos os surdos, qual seria o próximo alvo? Os cegos? Os anões? As
lésbicas? Um casal homofóbico poderá modificar geneticamente a sua filha se a
medicina descobrir o gene gay? O casal que luta contra o aborto de crianças com
trissomia será o casal que modificará ou abortará o seu bebé gay? Não pensem
que isto são bizantinices. O nosso futuro próximo é isto.
Henrique Raposo (Expresso Diário de 31/07/2018)
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