Já terminei este Milagrário Pessoal há algum
tempo. É um livro sobre uma busca de palavras, uma procura em forma de viagem
feita com palavras, todas muito belas. É um livro incrível, de uma beleza
tocante e, ao mesmo tempo, cheio de uma luz deliciosa que acende o corpo por
dentro. Iluminou-me de um deleite único. Desejei que nunca terminasse. Quando a
última página chegou quis dizer a toda a gente que têm de o ler. Mas,
infelizmente, um livro com tantas palavras, deixou-me vazia delas. Pelo menos
das palavras merecidas, das melhores e mais perfeitas, as únicas que poderia
usar para vos falar deste livro.
Por isso desisto de vos dar as minhas palavras. Mas
deixo-vos outras. Algumas das minhas preferidas deste livro.
“Vou anotando nas páginas do meu Milagrário Pessoal os
factos extraordinários que me sucedem, ou de que sou involuntária testemunha,
dia a pós dia. É um diário de prodígios. Os milagres acontecem a cada segundo.
Os melhores costumam ser discretos. Os grandes são secretos.” (Pág. 15);
“Os descendentes dos angolenses, hão-de um dia falar um
português próspero, redondo e musical, e quem os ouvir talvez consiga escutar
no eco de certas palavras o largo rumor do Cuanza passeando-se em direcção ao
mar, o colorido piar de suas muitas aves, o zunir dos insectos, o cair das
chuvas, o ribombar dos trovões, o silvo do vento soprando húmido por entre o
capinzal.” (Pág. 33);
“O preconceito contra a poesia, entendida como uma
distracção inútil, se não mesmo um tanto ou quanto perniciosa, vem de há muito
tempo. No entanto, a poesia começou por ser uma disciplina da magia, com
efeitos práticos, concretos, no quotidiano das pessoas, e desde então não mudou
assim tanto.” (Pág. 41);
“As pessoas começam a definhar pela imaginação. Algumas já
nascem quase mortas, ou mortas de todo, mas a tal ponto carecem de imaginação
que nem dão por isso e insistem em respirar como se estivessem vivas. A mim,
pelo contrário, possui-me, sem jamais esmorecer, uma imaginação furiosa.
Desperta-me o coração e arrebata-o. Acende-me e alteia-me a carne murcha. Não
me deixa morrer.”(Pág. 64);
Sinopse
“Iara, jovem linguista portuguesa, faz uma incrível descoberta:
alguém, ou alguma coisa, está a subverter a nossa língua, a nível global, de
forma insidiosa, porém avassaladora e irremediável. Maravilhada, perplexa e
assustada, a jovem procura a ajuda de um professor, um velho anarquista
angolano, com um passado sombrio, e os dois partem em busca de uma colecção de
misteriosas palavras, que, a acreditar num documento do século XVII, teriam
sido roubadas à "língua dos pássaros". Milagrário Pessoal é
um romance de amor e, ao mesmo tempo, uma viagem através da história da língua
portuguesa, das suas origens à actualidade, percorrendo os diferentes
territórios aos quais a mesma se vem afeiçoando.
D. Quixote, 2010
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