
Hélder
Mestre vive em Lisboa e trabalha na Divisão de Administração de Sistemas,
Infra-Estruturas e Comunicações, do Departamento de Sistemas de Informação da
Câmara Municipal de Lisboa. Pratica atletismo adaptado, e participou no
Campeonato Mundial Paralímpico de Atletismo no Qatar, tendo também obtido os
mínimos para competir nos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro em 2016.
Quais
os percursos que compõem o seu quotidiano?
Hélder
Mestre (HM) No dia-a-dia, de forma geral, é
casa-trabalho, trabalho-casa. Tenho carro, mas por hábito não o levo.
Acrescento uma handbike, que me permite empurrar a cadeira quase como se fosse
uma bicicleta, e é esse meio de transporte que utilizo no dia-a-dia.
Facilita-me muito a vida porque me permite vencer os obstáculos com maior
facilidade. Quando utilizo apenas a cadeira, como o passeio é todo em calçada e
as rodas da frente são pequeninas, a cadeira trepida por todos os lados, por
isso, sempre que posso vou pela estrada. Nem quando chove mudo os meus
percursos ou uso o carro.
Como foi o processo de inserção na Câmara?
Encontrou barreiras por ter mobilidade reduzida?
HM- Sim,
barreiras físicas. O edifício onde comecei a trabalhar tinha à entrada um
degrau de cerca de 10 cm de altura, por isso tinha sempre de pedir ajuda ao segurança
para entrar. O elevador que havia no edifício era muito pequenino e eu só
conseguia entrar tirando os apoios dos pés da cadeira. Também não havia
casas-de-banho adaptadas. Dois anos depois mudei-me para o edifício onde estou
agora, que na altura também não tinha acessos. Já não sei quanto tempo estive
nessas condições, mas a nosso pedido, meu e da chefia, fizeram uma série de
rampas, e neste momento tenho os acessos que preciso. Só a casa-de-banho é que
ainda não existe em condições para quem tem mobilidade reduzida, mas desenvolvi
um método que me permite utilizá-la mesmo assim.
Encontra limitações de acessibilidade ao
nível dos serviços?
HM- Há
sítios onde vamos e contávamos ter acessos e depois não temos. É o caso dos
bancos, por exemplo. Antigamente chateava-me com isso, mas passei a aceitar que
me atendam noutro local do banco. Sei que fazer isto assim é discriminatório, e
há muitas pessoas na minha situação que sofrem com isso, mas eu tento dar a
volta. Sou atendido na mesma, consigo fazer o que quero, e cumpro o objectivo a
que me propus. Outra dificuldade é no centro de saúde que utilizo, em Sete
Rios, que tem uma rampa tão inclinada que a cadeira escorrega. Tiveram a
preocupação de fazer uma rampa, mas não tiveram o cuidado de a fazer de acordo
com as regras. Aquilo não serve para nada assim. Outro problema são as caixas
Multibanco. Eu conheço algumas acessíveis, tanto na zona de casa, como do
trabalho. Sei aquelas onde posso ir, mas as que encontro geralmente na rua são
de acesso impossível. Algumas até estão a uma altura acessível, mas à frente
têm um degrau, portanto não as conseguimos usar na mesma. De uma forma geral,
os centros comerciais e os hipermercados são os sítios onde temos melhores
acessos.
Como se
precavê de percursos com barreiras?
HM- Se eu
souber que um sítio tem barreiras tento evitar. Se não tiver alternativa, vou
até lá, analiso e vejo o que posso fazer. Muitas vezes utilizo o Google Earth
antes, e, no street view vejo como é o acesso do sítio para onde estou a pensar
ir, e em função disso elimino problemas que iria ter se não o tivesse feito.
Acho que acima de tudo não nos podemos é chatear muito com isso, porque na
maior parte dos sítios há sempre outras pessoas por perto, e é só pedir a
pessoal jovem e com força, que eles ajudam. Às vezes pensamos que estamos a
incomodar, e não estamos. As pessoas têm prazer em ajudar.
Há sítios onde as soluções seriam fáceis
de encontrar…
HM- Sim,
sem dúvida. O melhor exemplo são os passeios rebaixados. A maior parte desses
acessos tem pelo menos dois centímetros de altura. Não consigo perceber por que
é que aquilo está feito assim. Esse é o típico exemplo de uma obra que custaria
exactamente o mesmo se fosse bem feita, no entanto está mal feita.
Quais as actividades de lazer que
privilegia?
HM- Eu
sempre fiz atletismo, sempre gostei e hoje continuo a fazer. Adoro! Além do
atletismo, experimentei muitas coisas. Eu sabia nadar [antes do acidente], e
depois tive que reaprender. Fiz natação durante alguns anos e experimentei
remo, canoagem, andebol… Vou ao cinema e a concertos, e dou muitos passeios por
Lisboa. Lamento que a Ribeira das Naus, que foi feita há pouco tempo, seja um
sítio tão dramático para nós. Bastava que fosse lisinha, e já podíamos andar lá
bem. Assim não, é um perigo e em vez de se apreciar o sítio, estamos sempre a
debater-nos para não nos espalharmos no chão.
Essas actividades de lazer são
condicionadas pelo facto de andar de cadeira de rodas?
HM- Muito
sinceramente acho que actualmente já não, porque existe muita oferta. Por
exemplo, o cinema do Campo Pequeno é excelente para nós. Eu acho que o mais
importante nisto é a nossa postura. Eu tento sempre ir à procura da solução,
sou muito pragmático nisso. E acho que a pessoa vive melhor assim.
Costuma fazer férias fora da cidade? Se
sim, onde?
HM- Costumo
ficar em Lisboa ou ir para o Algarve com o meu irmão. Quando vou para lá é mais
difícil e ele tem de me ajudar. Costumo ir para a praia da Galé, onde existe um
tiralô. Quando chegamos os nadadores-salvadores dão-nos o tiralô, que fica a
nosso cargo, e quando é preciso ir ao banho utilizo-o com a ajuda do meu irmão.
Tenho este cuidado de ir para uma praia onde há um tiralô, onde não há muita
gente, e que tem bons acessos.
Sente que a cidade de Lisboa está pensada
para quem não tem limitações de mobilidade?
HM- Sim, é
isso mesmo! Há adaptações para nós mas são muitas vezes enviesadas, mal feitas
e não estruturadas. Têm surgido ciclovias, que são uma coisa muito boa para
quem anda em cadeira. Eu sou um grande cliente das ciclovias [risos]. É como
andar na estrada com a vantagem de não ter carros. Eu queria era que se
espalhassem muitas pela cidade. Quantas mais fizerem, melhor será para nós,
para andarmos à vontade.
De que forma o facto de andar de cadeira
de rodas influencia a forma como se vê a si próprio? E como os outros o veem?
HM- Essa
pergunta é muito interessante, já tenho pensado sobre isso. Os meus colegas já
me têm dito uma coisa engraçada: esquecem-se que eu ando de cadeira de rodas.
Acho que é bom sinal [risos]. Não posso falar por aqueles que já nasceram
assim, mas o meu caso, que vim parar à cadeira depois de um acidente, faz
pensar. Isto aconteceu-me a mim, que sempre gostei de actividades com esforço
físico. De repente fiquei tetraplégico. Andar de cadeira de rodas condiciona-me
em certas coisas, mas também me criou uma perspectiva diferente sobre a vida.
Não sei se fez de mim melhor pessoa, ou pior [risos]… Mas sei que andar de
cadeira de rodas não me define. Acho que o meu trajecto e a minha postura são
positivas e que isso é o mais importante. A alternativa era desistir e isso não
se coloca como hipótese para mim.
o
Entrevista: Inês
Maia
o
Imagem: Ricardo Mestre
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Edição: Lisboa (In)Acessível
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