Mitos sobre a perturbação de hiperactividade e défice de atenção
A perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA) é uma
perturbação neurocomportamental, ou seja, tem uma base neurológica e
manifesta-se em termos comportamentais, atingindo cerca de 5% da população em
idade escolar. Caracteriza-se por uma dificuldade acentuada na manutenção da
atenção, do autocontrolo ou impulsividade, na gestão da frustração e na
capacidade de gestão das funções cerebrais que nos permitem atingir diferentes
objectivos, sejam eles a regulação da atenção, capacidade de planeamento,
memória de trabalho, organização e/ou gestão de tempo
A PHDA surge tanto em rapazes como em raparigas, estando a
diferença na manifestação dos sintomas. Normalmente, os rapazes são mais
agitados do que as raparigas e, como tal, os sintomas de agitação motora,
aquando de uma PHDA, são mais marcados e evidentes. Por seu turno, as raparigas
apresentam sobretudo sinais de desatenção, sintomas que passam mais facilmente
despercebidos, porque não perturbam o outro.
Ao contrário do que pensamos, a hiperactividade não é a
característica mais marcante ou que causa maior desajustamento, mas sim a
desatenção, que, ao manifestar-se nos diferentes contextos de vida das crianças
e jovens, tem um impacto significativo na qualidade de vida dos mesmos. A
agitação motora em si não é obrigatoriamente problemática: basta pensarmos que
para explorar o mundo todas as crianças têm de se mexer.
Quando as funções mencionadas estão comprometidas, o impacto surge
a vários níveis. Em contexto escolar, surgem as dificuldades na aprendizagem,
na gestão do trabalho e na regulação do comportamento, quer com os adultos quer
com os pares. Os professores vêem estes alunos como desafiadores, preguiçosos e
mal-educados e os colegas como intrusivos, autoritários e “aqueles que
chateiam”. Mais uma vez, o foco está nos comportamentos visíveis e mais
desestabilizadores para quem convive com estes indivíduos. Quando, de facto, é
a desatenção que compromete a aprendizagem em si, a compreensão dos outros e
das pistas sociais, bem como a capacidade de resolução de problemas. São alunos
que têm muita dificuldade em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental
prolongado e por isso são frequentemente apelidados de “preguiçosos”. A verdade
é que muitas vezes se esforçam mais do que os outros, pois esta não é uma
perturbação de “não saber” mas sim de “não fazer aquilo que se sabe” (Barkley,
1998).
Em contexto familiar, é frequente encontrarmos nos indivíduos com
PHDA um ambiente marcado por conflitos na relação com os pais e irmãos. São
crianças ou adolescentes que necessitam de supervisão constante, têm
dificuldade em seguir instruções ou pedidos e parece que não ouvem o que lhes é
dito, não porque os pais não imponham regras e limites, mas porque uma criança
ou jovem com PHDA não consegue antecipar as consequências das suas acções. O
problema advém de dificuldades na auto-regulação do comportamento e não da
falta de disciplina em casa. Nos adultos com PHDA, estas características vão
influenciar a gestão das tarefas domésticas e a relação com os outros.
No âmbito profissional, os adultos com PHDA são pouco organizados,
têm dificuldade em seguir planos, em cumprir prazos e em gerir o seu próprio
tempo. Por estas razões, o seu trabalho é inconstante e pode levar a mudanças
repetidas de local de trabalho.
Esta perturbação também tem impacto a nível pessoal e social. Para
além do estigma de que as crianças (e adultos) com PHDA são alvo — fruto das
dificuldades comportamentais que apresentam —, também a compreensão das situações
e regras sociais exigem capacidades de atenção que nem sempre estão presentes.
Uma pessoa com PHDA pode não atender e “passar ao lado” de pequenas pistas
sociais ou sinais discretos do outro (muitas vezes não verbais), não se
apercebendo quando está a ser incorrecto. Importa assinalar que tudo isto
acontece não porque quis, mas sim porque não conseguiu.
A PHDA é uma perturbação crónica que evolui ao longo da vida. Em
cerca de 30% a 50% dos casos permanece até à idade adulta e, quando não
diagnosticado atempadamente, pode evoluir para outro tipo de dificuldades. Há
uma tendência para os sintomas de agitação motora diminuírem mas, em
contraponto, as dificuldades de auto-regulação, controlo da atenção e
impulsividade tendem a persistir ou a intensificar-se.